A adesão da tecnologia “Systems Approach” na produção do mamão no Brasil nos últimos anos permitiu derrubar uma barreira que impediu por muito tempo a exportação do produto para os Estados Unidos. E, com isso, o Espírito Santo tornou-se o maior exportador da fruta. O mamão produzido no estado representa, atualmente, 95% do montante exportado para esse mercado, o que representa grande impacto econômico e social para o país.
O “Systems Approach” é a integração de um conjunto de práticas utilizadas em produção, colheita, embalagem e transporte do mamão, que proporciona, em cada passo, a garantia do fruto livre de praga-alvo, isto é, a redução de risco de infestação do mamão por larvas de moscas-das-frutas. Desta forma, foi atingida a segurança quarentenária exigida por países exportadores.
Em consequência dos resultados no campo, o Estado teve, no último ano, um aumento do preço do mamão em 20%. Só em 2016, o Brasil exportou US $43 milhões e, destes, o Espírito Santo exportou US $ 16,8 milhões. Isso representa 39% de toda a exportação brasileira. E para os Estados Unidos, o Espírito Santo exportou US $ 3,5 milhões (85%) dos 4,2 milhões de dólares exportado para esse mercado. Esse valor corresponde a 21% da exportação de mamão do Estado.
O sistema foi pioneiro no Brasil, inicialmente aplicado em junho de 1993, em Linhares, no Norte do Estado e finalmente aprovado em março de 1998. Em setembro de1998 é que foi realizado o primeiro embarque de mamão brasileiro para os Estados Unidos.
Já são mais de vinte anos da prática segura na produção dos mamoeiros, com resultados positivos grandiosos para o país. De lá pra cá, o Brasil já exportou cerca de US $82,2 milhões da fruta para os Estados Unidos, sendo 95% exportados pelo Espírito Santo, designado o maior exportador de mamão do Brasil.
Os estudos que serviram de base para o desenvolvimento da tecnologia e também para o caminhar do Programa de Exportação do Mamão Brasileiro para os Estados Unidos, foi fruto da interação entre o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), em conjunto com a Universidade Federal de São Paulo (USP), a Federação de Agricultura do Estado do Espírito Santo (FAES), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE-ES), a Ex-Associação dos Produtores Rurais do Espírito Santo (APRUCENES), empresas de exportação de papaia do Estado e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
A volta da exportação
Em 1985, apesar do bom padrão de qualidade da fruta produzida no Brasil, foi comprovado que o dibrometo de etileno, um produto químico utilizado como tratamento quarentenário para a desinfestação das frutas, poderia causar um efeito teratogênico nos seres humanos, que seria a má formação dos fetos. Por este motivo, as exportações de frutas, hospedeiras de moscas-das-frutas como o mamão, a partir daí foram suspensas pelo Estados Unidos.
De acordo com o entomologista e pesquisador do Incaper David Martins, a abertura do mercado americano para o mamão capixaba, por se tratar de um mercado potencial de cerca de 90 mil toneladas ano, atendido por alguns países da América Central e, principalmente, pelo México, se apresentava como uma nova opção de mercado para o mamão brasileiro, que tem a união europeia como principal destino da fruta. “Diante do cenário instalado, as empresas tiveram que melhorar a qualidade dos seus campos de produção e das próprias casas de embalagens para atender a esse mercado”, explicou.
Segundo o pesquisador, o “Systems Approach” representa uma grande evolução e alternativa aos tratamentos quarentenários que normalmente se baseiam no emprego de substâncias químicas tóxicas e processos físicos, como frio, calor e radiação. O sistema tem ampla base ecológica, levando em consideração informações biológicas, ecológicas e fisiológicas da fruta, na aplicação de boas práticas de pré e pós-colheita no processamento da fruta.
A sua primeira aplicação foi para o Papaya no Hawaí, em 1991. A partir daí, o método foi desenvolvido para diversas outras frutas, permitindo a exportação para os Estados Unidos do abacate do Hawaí e mamão da Costa Rica. Também foi utilizado para maças e cerejas de Washington e pomelo (grapefruit) da região central da Flórida para o Japão. Outros casos de sucesso são das nozes da Califórnia para a Nova Zelândia, abacate “Hass”, do México para os Estados do nordeste americano.
Segundo David Martins, a aplicação do sistema abre grande perspectivas para a exportação de frutas produzidas em áreas de baixa prevalência de moscas-das-frutas. “Sua utilização no Brasil deverá se constituir no principal instrumento para quebrar as barreiras quarentenárias impostas pelos países importadores”.
Atualmente no Brasil apenas o Espírito Santo, a Bahia e o Rio Grande do Norte exportam a fruta para os Estados Unidos, após a garantia de risco “zero” de infestação com a aplicação do sistema.
David dos Santos Martins ficou classificado em 2º lugar pelo projeto em questão: “Systems approach: tecnologia capixaba que viabilizou a exportação do mamão brasileiro para os Estados Unidos”, na categoria "Pesquisa", durante o Prêmio Destaque Incaper 2016.
Estudos de monitoramento
A primeira fase dos estudos teve inicialmente duração de 18 meses nos anos 90, envolvendo seis áreas de produção comercial de mamão do Estado, representativas da região produtora de mamão do Espírito Santo, em Linhares, no Norte do Estado.
As seis áreas produtoras de mamão utilizadas experimentalmente foram monitoradas com duas armadilhas modelos, a McPhail (20 por área) e Jackson (10 por área) para monitorar a mosca-sul-americana (Anastrepha fraterculus) e a mosca-do-mediterrâneo (Ceratitis capitata)”. Ambas eram verificadas semanalmente e as moscas capturadas, contadas e identificadas. Durante as 75 semanas do projeto, as mais de 100 armadilhas capturaram um número significativamente pequeno, mostrando que área cultivada com mamão no Estado é de baixa prevalência dessas pragas.
Simultaneamente, a maturação dos frutos foi dividida em cinco diferentes estágios, variando desde o ponto de colheita – anterior ao aparecimento da primeira lista amarela na casca do fruto – até o estágio em que os frutos apresentam ¾ da sua casca amarela, já impróprios para uso comercial. Semanalmente, em cada uma das seis áreas, 50 frutos de cada um dos cinco estágios eram colhidos para corte e análise em laboratório, examinando-se um total de mais de 113 mil frutos no período, não encontrando nenhum fruto infestado.
As infestações no campo foram testadas em gaiolas teladas, contendo duas plantas com frutos em todos os estágios de maturação, expostas separadamente por 48 horas a 50 casais da mosca-sul-americana e da mosca-do-mediterrâneo sexualmente maduros. Os resultados só mostraram infestações nos frutos com mais de 75% de sua casca amarela.
Após os resultados serem submetidos e reconhecidos e aprovados pelo Estados Unidos, por meio do Animal and Plant Health Inspection Service (APHIS) do United States Departamento of Agriculture (USDA), em julho de 1995, houve o treinamento de inspetores brasileiros do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Em seguida, após a Assinatura do Plano de Trabalho de operacionalização do Programa de Exportação do Mamão para os Estados Unidos, pelos dois países, representados pelas autoridades do Departamento Norte-Americano de Agricultura e do MAPA, as exportações foram reiniciadas em setembro de 1998.
Metodologia
O monitoramento ainda é realizado constantemente com as armadilhas McPhail para a mosca-sul-americana e Jackson para mosca-do-mediterrâneo, colocadas no campo na densidade de uma por hectare, sendo 50% de cada modelo na área, que ficam expostas durante sete dias da semana para serem avaliadas.
Na armadilha Jackson usa-se o ferormônio Trimedlure (em sachê) que atrai os machos da mosca-do-mediterrâneo, que logo são fixados por um piso de cola na parte inferior da estrutura. Já a McPhail utiliza-se a o atrativo alimentar proteína hidrolisada 5%. Os técnicos do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) são os responsáveis pela fiscalização
Caso o número de mosca/armadilha/dia (MAD) atinja 1, se faz o controle, se atingir MAD > 2, suspende-se a colheita, faz o controle, e a colheita só é realizada novamente assim que o MAD ficar abaixo de 1.
“Mas para esse sistema usado no Estado, esses índices não foram alcançados em lavouras do programa já em exportação. Somente alguns casos raros foram observados em áreas monitoradas antes de serem liberadas para exportar seus frutos. Nesses vinte anos, eu não me recordo de uma lavoura em que teve que se fazer o controle químico dessa praga”, explicou David.
Etapas do Systems Approach:
Monitorar e controlar a praga toda vez que a densidade populacional das espécies-alvo atingir 1 mosca/armadilha/dia; suspender a colheita e fazer o controle e só retornar a colheita quando a densidade da praga por armadilha/dia for menor que 1;
Colher os frutos antes que ¼ da superfície da casca esteja amarelecida; manter as plantas dos pomares livres de frutos com maturação acima do estágio de ¼ da superfície da casca esteja amarelecida; Retirar lavoura e destruir frutos refugados e caídos.
Manter o campo de produção em boas condições de sanidade e livres de plantas com viroses – deverão ser erradicadas no início do aparecimento dos sintomas;
Transportar imediatamente os frutos colhidos para uma casa de embalagem (packing house) totalmente protegida contra a entrada de insetos-pragas.
Casa de empacotamento ou packing house
Assim que o mamão chega do campo, é retirada uma amostra do lote que foi colhido para verificar a presença de larvas e, uma vez que não tem a presença delas, o mamão entra para o processo de lavagem e escovação em água clorada para eliminar as possíveis contaminações microbiológicas.
Em seguida, os frutos com possíveis danos ou infestados são eliminados por trabalhadores treinados e os frutos vão para o tratamento hidrotérmico. Por lá, os frutos são tratados com água quente a 48º+/-1ºC por 20 minutos. Depois, os frutos passam pelo processo de resfriamento para que voltem a sua temperatura inicial, o mais rápido possível para que não percam a sua qualidade.
Após o resfriamento os frutos são classificados por tamanho, embalados em caixas de papelão, que são dispostas em pallets telados e lacrados, que só serão abertos nos Estados Unidos. Durante o processo, qualquer fruto defeituoso por má formação, dano mecânico, com possível infestação de mosca e ou de outros insetos, é imediatamente descartado.
Todo o processamento da fruta que é destinada para o mercado americano é inspecionado “in loco” por técnicos do MAPA.
Avaliação do Sistema
A avaliação dessa tecnologia feita pelo Incaper demostrou, no que se refere ao impacto econômico em termo de agregação de valor, que a possibilidade de comercialização com o mercado dos Estados Unidos trouxe aumento de renda significativo aos produtores e um ganho econômico acumulado para o Estado de R$ 34,03 milhões. Além disso, permitiu melhoria na qualidade dos frutos de forma geral, mesmo os que não são destinados à exportação, bem como um aumento no preço dos frutos exportados para outros países, estimado pelo setor produtivo, de 20% acima do preço praticado anteriormente as exportações para o mercado americano.
O Systems Approach praticado na região de produção de mamão no Espírito Santo tem-se mostrado tão eficiente que desde o seu início de funcionamento, em setembro de 1998, em nenhum dos campos que fazem parte do Programa de Exportação as pragas-alvo chegaram a atingir níveis que justificassem o seu controle com agrotóxicos, como prevê o Programa. Nesse quase 20 anos de programa, não ocorreu nenhum caso de rechaço de lotes de frutos por infestação da praga, tanto nas packing-houses, onde as frutas são processadas e embaladas, como também no mercado americano.
O sucesso da tecnologia Systems Approach aplicada na região produtora de mamão do Espírito Santo serviu de base para a autorização e aplicação desse sistema nas áreas de mamão da Bahia e do Rio Grande do Norte, a partir do final de 2005. Os primeiros embarques de mamão da Bahia para os Estados Unidos ocorreram em maio de 2006, e do Rio Grande do Norte, em julho de 2006, sete anos após o Espírito Santo ter iniciado as exportações para esse mercado. Atualmente no Brasil apenas os mamões produzidos e processados nos Estados da Bahia, do Espírito Santo e do Rio Grande do Norte têm autorização do governo americano para exportar essa fruta para o seu mercado.
Novas parcerias
Para o aprimoramento e sustentabilidade do Systems Approach na cultura do mamão, estudos de pesquisa vêm sendo desenvolvidos para a geração de novos conhecimentos, atualização e divulgação do sistema. Para isso, novas parcerias já foram estabelecidas, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Papaya (Brapex) e outras instituições.
“É certo que o sistema sofre ajustes e correções até os dias de hoje, por se tratar de uma tecnologia que envolve um conjunto de práticas e conhecimentos. Ele pode ser retroalimentado com novas informações geradas por meio de ações de pesquisas para aumentar a sua segurança e aprimoramento, - desde que submetido pelo MAPA e aprovado pelos Estados Unidos, garantiu David.
Assessoria de Comunicação do Incaper
Juliana Esteves - juliana.esteves@incaper.es.gov.br
Luciana Silvestre – luciana.silvestre@incaper.es.gov.br
Tatiana Caus – tatiana.souza@incaper.es.gov.br
Vanessa Capucho - vanessa.covosque@incaper.es.gov.br
Texto: Tatiana Caus
Tel.: (27) 3636-9865 / (27) 3636-9868
Twitter: @incaper Facebook: Incaper