Foi depois que o grupo de jovens da igreja resolveu recolher o lixo das propriedades rurais e reativar a associação de produtores que a comunidade de Feliz Lembrança, na zona rural de Alegre, virou exemplo de sucesso. Com 57 famílias distribuídas em 26 alqueires de terra, a comunidade é uma ilha de agricultura familiar com produção diversificada, cercada pela pastagem de uma propriedade criadora de gado.
Com atitude e perseverança, os jovens conseguiram evitar o êxodo rural e promover ações voltadas para a conservação do meio ambiente, a movimentação da economia e a melhoria da qualidade de vida das famílias que vivem em Feliz Lembrança. Tudo com o apoio do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), a Prefeitura de Alegre e outros parceiros.
“A nossa comunhão com o Incaper é forte. A extensão atinge todo o processo de organização, e mudou até a nossa fala. A gente não usa ‘eu’. A gente fala ‘nós’. Tudo o que conquistamos é fruto de um esforço coletivo”, disse Fabio de Souza Silva, um dos jovens envolvidos no grupo que ganhou status de porta-voz tamanha é sua desenvoltura em apresentar a ações desenvolvidas na comunidade.
A experiência dos jovens rurais de Feliz Lembrança, em Alegre, recebeu a visita de uma comitiva da agricultura capixaba, por meio do projeto HorizontES em Extensão. Capitaneado pelo Incaper, o projeto levou representantes da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), das Centrais de Abastecimento do Espírito Santo (Ceasa) e da Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes) para conhecerem a comunidade.
Além da organização dos jovens, o trabalho integrado de pesquisa, assistência técnica e extensão rural prestado pelo Incaper contribuiu na diversificação das culturas, nas ações de preservação do meio ambiente, no acesso a políticas públicas e a novas tecnologias. “Nós queríamos plantar abacaxi, porque a região é propícia para o cultivo. O extensionista falou que o Incaper tinha desenvolvido um abacaxi sem espinho, resistente à fusariose, e nos levou para a Fazenda de Pacotuba para conseguirmos as mudas”, disse o agricultor.
Hoje mais velho, Fábio Silva era um dos integrantes do grupo de jovens da igreja pioneiro nas ações em prol do desenvolvimento sustentável da comunidade. Atualmente, os jovens representam 70% dos moradores locais. E a maioria faz parte da Associação de Produtores e Moradores de Feliz Lembrança, cujas atividades estavam paralisadas desde a década de 1990 mas foram retomadas pelo grupo. Atualmente, a Associação possui 40 membros, todos trabalhando dentro dos princípios da agroecologia e da sustentabilidade.
Paulo Junior ingressou no grupo aos 18 anos e hoje, aos 22, preside a Associação. “Quando eles começaram, eu era bem novinho. Hoje sou presidente da Associação. A gente sente as consequências do trabalho deles. Hoje temos uma grande responsabilidade, mas seguimos firmes para dar exemplo para outros jovens rurais”, diz. “Para nós, é um orgulho que nossas ações sirvam de exemplo para outras comunidades. Nosso diferencial é justamente esse: o protagonismo da juventude na vida da sociedade.”, acrescentou Fábio.
O empreendedorismo é característica marcante dos jovens de Feliz Lembrança. Com a ajuda da esposa e da irmã, Fábio administra a Frumel, uma agroindústria que produz sucos naturais. A matéria prima é plantada, colhida e processada dentro do pequeno território da comunidade. Atualmente, são quatro agroindústrias em Feliz Lembrança, que oferecem produtos diferenciados da agricultura familiar ao mercado local. “Onde tem uma política pública, a gente entra”, disse Fábio.
O impacto econômico da atuação dos jovens é significativo. O próprio grupo fez um censo comunitário e constatou que, em 10 meses, a juventude rural de Feliz Lembrança movimentou recursos na ordem de R$ 1,5 milhão na comercialização de produtos. “A comunidade sabe produzir, sabe beneficiar. Eles fazem isso muito bem. São unidades familiares independentes, mas que mantém a unidade e a identidade, e levam sempre o nome da Associação”, disse Aline Chaves Pereira, extensionista do Incaper de Alegre que assiste a comunidade.
As ações desenvolvidas pelos jovens de Feliz Lembrança
A história de protagonismo da juventude rural de Feliz Lembrança é contada com emoção e alegria pelos próprios personagens. O grupo de jovens da comunidade tinha nas reuniões da igreja um dos poucos momentos de lazer. Até que um dia eles decidiram ir a campo para tentar resolver alguns dos problemas enfrentados pelos moradores.
“Conseguimos juntar 22 jovens rezando. Mas só rezar não resolve, tinha que colocar a mão na massa”, brincou Fábio de Souza Silva, um dos jovens envolvidos no grupo. “Nós discutimos e vimos que a palavra ‘oração’ significava ‘hora da ação’. Nós conseguimos trazer a comunidade para dentro da igreja, mas tinha que levar a igreja até a comunidade”, acrescentou.
Mas a saga dos jovens estava apenas começando. Logo de saída, eles enfrentaram a primeiro obstáculo: a resistência dos vizinhos e familiares. “O povo achava que era conversa de adolescente. As pessoas não acreditavam que iriamos adiante”, lembrou Fábio Silva.
Mas eles teimaram: queriam cuidar do meio ambiente. Foi quando num sábado bem cedinho, se encontraram na pequena igreja e seguiram adentrando as propriedades rurais pra recolher o lixo que estava espalhado pela comunidade. “A gente morava num lixão e não sabia. Era lata de óleo no meio do cafezal, garrafa de refrigerante... ficamos o dia inteiro. Juntamos tudo em três pontos e ligamos para a Prefeitura de Alegre fazer o recolhimento. Tiramos 14 caminhões de lixo da comunidade”, lembrou Fábio. Desde aquele dia, a coleta de lixo é feita regulamente na comunidade de Feliz Lembrança.
A iniciativa ajudou na conscientização dos moradores e aumentou a credibilidade do grupo de jovens junto aos vizinhos. A partir de então, as ações foram ganhando mais peso e novos focos: o esgoto deixou de correr a céu aberto depois que os jovens trabalharam na construção de fossas sépticas. Os anciãos sentiram-se mais valorizados depois que os jovens inventaram a Tarde de Lazer com os Idosos. “A gente buscava o idoso em casa e levava para passear. A pessoa mais vivida tem mais experiência, e isso encurta o nosso caminho. Nós aprendemos muito com eles”, afirmou Fábio Silva.
O que os jovens não esperavam é que o próximo desafio que enfrentariam era relacionado a eles próprios. “O jovem não se identificava com o campo. Nós íamos para as festas em Alegre e tínhamos vergonha de dizer que morávamos na roça. As moças estavam indo embora, só estavam ficando os homens na roça. E o pai falava para estudar. O campo te manda embora. E foi aí que nós resolvemos reativar a associação de produtores rurais da comunidade”, lembrou o jovem agricultor.
As atividades da associação de produtores estavam paralisadas desde a década de 1990. “Tinha uma dívida de mais de mil reais no CNPJ da Associação. Começamos a fazer festas com rifa para juntar recurso, quitar a dívida e reestruturar a Associação”, pontuou Fábio. “Foi desse jeito que a gente mostrou para o jovem que o campo é importante para ele, que ele precisa se dedicar e lutar pelo seu espaço. A mudança tem que acontecer primeiro na cabeça das pessoas. Aí a gente muda o mundo todo. Mas tem que começar em cada um”, emocionou-se.
O projeto HorizontES em Extensão
A visita à comunidade de Feliz Lembrança, em Alegre, foi uma iniciativa do projeto HorizontES em Extensão, que pretende mostrar 11 experiências de relevância para o desenvolvimento rural capixaba.
O Centro Regional de Desenvolvimento Rural (CRDR) Caparaó, que coordena 10 Escritórios Locais de Desenvolvimento Rural (ELDR) do Incaper, recebeu sugestões vindas de vários municípios. “Foram 15 experiências sugeridas pra gente. No final, Guaçuí e Alegre foram selecionadas, e pelos critérios de escolha, Feliz Lembrança acabou vencendo essa disputa saudável. Estamos esperando o próximo HorizontES para apresentarmos outros trabalhos bacanas que são desenvolvidos pelo Incaper aqui na região”, disse Ricardo Eugênio Pinheiro, coordenador do CRDR Caparaó.
Durante a visita, os integrantes da comitiva apresentaram suas ações passíveis de beneficiar a comunidade. O gerente de agricultura familiar da Seag, Andreliano Maretto, abordou o Fundo Social de Apoio à Agricultura Familiar (Funsaf). O coordenador de rastreabilidade da Ceasa, Marcos Magalhães, colocou seus préstimos à disposição do grupo. E os membros da Aderes, Rodrigo Bolelli e Juca Alves, dispuseram-se a apresentar outras iniciativas que podem se converter em renda para os agricultores.
“A atuação do Incaper está além da integração entre pesquisa, assistência técnica e extensão rural. O projeto HorizontES em Extensão está integrando várias instituições dentro de um contexto maior: beneficiar a sociedade capixaba como um todo. Quando você abre os horizontes, abre as porteiras e expande seu olhar”, pontuou o diretor-técnico do Incaper, Nilson Araújo Barbosa.
“A proposta do HorizontES em Extensão é justamente dar visibilidade às ações que tenham relevância para o desenvolvimento rural capixaba. No caso de Feliz Lembrança, chama atenção a forma como a comunidade se organizou, a diversificação, com a juventude à frente dos trabalhos. Que bom que nós do Incaper fazemos parte dessa história. Faz com que a gente entenda melhor a nossa própria existência, transformando vidas. Vocês são exemplo de inspiração para outros jovens”, afirmou Jaqueline Sanz, coordenadora do projeto HorizontES em Extensão e Gerente de Assistência Técnica e Extensão rural Incaper.
O projeto HorizontES em Extensão foi viabilizado com recursos oriundos de um convênio estabelecido entre o Incaper e o Ministério da Agricultura, Pecuária de Abastecimento (Mapa). A parceria prevê, entre outras metas, a realização de ações no Programa de Aperfeiçoamento em Práticas e Projetos de Desenvolvimento Rural dos Agentes do Incaper.
Texto: Juliana Esteves
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