02/06/2017 10h53 - Atualizado em 02/06/2017 11h24

Extensão rural promove sustentabilidade em propriedade na Região Serrana do Estado

Foto: Tatiana Caus/Incaper
A família Huver contou com o apoio do extensionista do Incaper, João Miranda dos Santos (ao meio), lotado no escritório local em Domingos Martins.

Uma propriedade rural na Região Serrana do Espírito Santo se destaca pelos exemplos práticos de sustentabilidade e atualmente é referência no estado. É a propriedade rural da família Huver, que foi modificada sob a influência da ação da Extensão Rural.

O Sítio da família Huver fica na Região Serrana, a seis quilômetros do centro de Domingos Martins, na comunidade de São Bento do Chapéu. Lá moram o agricultor Cláudio Huver, a esposa dele, Verônica Huver, e os dois filhos, Anderson e Stefani.

As mudanças na propriedade só foram possíveis graças ao Governo do Estado por meio do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), em parceria com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), as Secretarias de Desenvolvimento Rural, de Cultura e de Turismo de Domingos Martins e o Centro de Tecnologia em Aquicultura e Meio Ambiente (CTA).

O projeto em questão foi intitulado “Influência da Ação Extensionista no Desenvolvimento Sustentável de Propriedade Rural em Domingos Martins” ficou em 2º lugar na categoria Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) durante o Prêmio Destaque Incaper 2016. 

Em 1984, o descendente de alemães Arnaldo Huver, pai de Cláudio, resolveu ir morar na cidade com a família e vendeu uma parte da propriedade. “Eu não estava tão motivado na época. Depois que vendemos parte da propriedade, nos restaram apenas 20 hectares, apenas com pastagens deterioradas, com um casarão antigo e um pequeno paiol”, lembrou Cláudio.

Segundo ele, durante um tempo, o único sustento da família era a aposentadoria de sua mãe, de meio salário mínimo. Por esse motivo tornava-se essencial arranjar outras formas de obtenção de renda a partir de uma transformação na propriedade.

Primeiros investimentos

A família Huver chegou a investir em mudas de café arábica, pés de banana, hortaliças de todos os tipos, tanque para peixes e até em vendas de bebidas e salgados. Tudo em uma produção bem rústica e com poucos recursos, e sem qualquer orientação técnica os investimentos não vingaram, levando a uma produtividade relativamente baixa.

Depois, um dos primeiros investimentos feitos pelos Huver foi aderir ao Programa “Peixe na Mesa”, fruto de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e Secretaria de Desenvolvimento Rural, a Secretaria de Estado da Agricultura, Aquicultura e Pesca (Seag), o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Centro de Tecnologia em Aquicultura e Meio Ambiente (CTA). Nele, os agricultores familiares ganhavam uma alternativa sustentável de diversificação das suas fontes de renda. O programa foi explicado passo a passo, o tanque dos peixes foi refeito e construídos mais dois tanques na propriedade. As matrizes foram adquiridas com os recursos próprios e teve uma introdução inovadora, a carcinicultura (camarão da Malásia), com mais uma alternativa de renda.

“Mesmo depois de tantos investimentos, ainda víamos a nossa propriedade sem um rumo certo, o que acarretava um aumento no custo de produção por causa do consumo maior de ração”, contou Cláudio. Para minimizar o problema, abriram um pesque e pague e começaram a preparar tilápia e o camarão para venda em pratos prontos, mas que eram comercializados sem qualquer adequação das leis sanitárias e ambientais vigentes.

Depois de diversas tentativas, foi preciso a intervenção dos extensionistas, a pedido da própria família, que levaram as orientações técnicas para os devidos ajustes na gestão da propriedade, bem como mais proximidade das políticas públicas existentes na época.

Foi sob as orientações do extensionista João Miranda dos Santos e da economista doméstica Vera Lúcia dos Santos Martins, ambos do Escritório Local de Desenvolvimento Rural (ELDR) do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) em Domingos Martins, que os Huver começaram a presenciar as reais transformações “no quintal de casa”. São anos de diversos projetos elaborados e acompanhados pelo Incaper.

Atualmente é possível encontrar uma grande diversidade de culturas, piscicultura, restaurante, pousada e florestas, além da conservação dos recursos naturais, que garante a renda da família e gera empregos diretos, além de atrair muitos turistas. “O objetivo é que ações assim se multipliquem pelas propriedades capixabas a fora”, reforçou João Miranda.

Turismo Rural

Para atender à demanda crescente da família e de visitantes locais, em 2004 foi feito um projeto com recursos do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para a construção de um restaurante rural que hoje é referência no município. "O restaurante fez tanto sucesso que foi preciso a construção de mais quatro tanques para criação de tilápia e camarão e a de chalés para hospedagem", relatou Vera.

“Domingos Martins tem grande influência cultural das colonizações alemã, pomerana e italiana, que, aliada as suas belezas cênicas e naturais, atrai milhares de turistas anualmente para a região. Eles consomem produtos e serviços diversos, principalmente alimentos e hospedagem”, explicou João Miranda. Sob as orientações técnicas, começaram a enviar a tilápia e a outra filetadora e a preparar o camarão para venda “in natura", congelado e em pratos prontos, para a comercialização na propriedade.

Em seguida, devido ao aumento da demanda de visitantes em busca de pernoitar no local, em 2006 foi elaborado outro projeto de crédito, com três chalés para hospedagem rural, com recursos do Pronaf Mulher.  “Foram vários projetos elaborados por nós de lá pra cá, com os recursos do programa. Hoje já são mais de oito unidades de hospedagens, construção de lavanderia, reforma e adequação do restaurante, aquisição de roçadeiras, veículos utilitários, microtratores, além de plantios diversos. Todos eles feitos com bastante critério e conversa”, explicou Vera Lúcia. “Tudo ocorreu aos poucos, sem atropelo, uma coisa de cada vez, dando condições de a família investir, se desenvolver e crescer sem se endividar”, completou João Miranda.

Durante todo este tempo, a propriedade foi inserida em vários outros programas ambientais de Governo como: ATEFAMA (Assistência Técnica e Extensão Florestal Aos Agricultores Familiares da Mata Atlântica), Campo sustentável (Programa estadual de adequação ambiental das propriedades rurais), sendo destes o mais recente o Reflorestar, em que está recebendo pagamento por serviços ambientais (PSA). Estão inseridos também no PNAE e PAA. Vale destacar o apoio que a família teve na área de agroturismo dos consultores do Sebrae, da Secretaria municipal de Cultura e Turismo, além do Incaper, o que resultou na criação do Circuito Turístico do Chapéu, como é conhecido até hoje.

Transformações significativas

Já foram plantados na propriedade mais de 300 pés de citros, 4000 de palmáceas, milho consorciado com feijão, frutas como, acerola, goiaba, abacate, graviola, pinha, jambo, carambola, ameixa, pitanga, lichia, entre outras. O sistema agroflorestal (SAF) deles consiste em 5000 pés de café, com 2000 pés de banana e árvores nativas. Os Huver contam também com um plantio de 2.500 pés de eucalipto e cedro australiano, exclusivo para a propriedade. Além dos oito atuais tanques de tilápias e camarão da malásia, ainda tem criação de galinhas caipiras, pato, marreco e ganso.

Hoje o pesque pague e o restaurante rural, que são referência na região, atendem de 120 a 150 pessoas por semana.  Nos chalés para hospedagem as suítes ficam ocupadas quase todos os fins de semana.

Os topos de morros e nascentes estão totalmente preservados, com foco para os corredores ecológicos e para os animais ali existentes como, veado, tamanduá-mirim, macaco Sauá, sagui, barbados, tatu, paca, preguiça, capivara, entre outros, além de uma variedade imensa de pássaros. A propriedade atualmente conta com 14,8 hectares de mata, corredores ecológicos, matas ciliares, Sistemas Agroflorestais (SAFs), quatro nascentes protegidas e caixas secas. A área que restou de pastos está se regenerando por meio do Programa Reflorestar.

Atualmente, quase tudo que é produzido no sítio é utilizado no local, seja para alimentação da família, do restaurante, da pousada e até na confecção dos móveis, como as camas, os sofás, as cabeceiras, entre outros, que são feitos com parte do eucalipto que tem junto a outras culturas na propriedade.

Várias outras inovações foram realizadas com recursos próprios, como o beneficiamento e processamento do café, que passa a ser despolpado, torrado e moído e comercializado aos turistas na lojinha da propriedade. Nessa lojinha também é vendido fubá, feijão, frutas, palmitos, além de outros produtos das agroindústrias da região.

Atualmente a família retira, em média, três a quatro salários-mínimos por semana e parte é investido novamente na propriedade.

Permanência da família no campo

Os filhos de Cláudio e Verônica Huver, Anderson e Stefani, são estudantes do curso de Administração em uma faculdade em Vitória, na capital do Estado. Mas eles se revezam entre os atendimentos e também auxiliam nas atividades da propriedade. Enquanto Cláudio cuida da parte agrícola, Verônica é a cozinheira oficial da família e responsável pelo processamento da produção. “Fico muito feliz em saber que somos uma família unida. Me emociona saber que os meus filhos têm vontade de empreender e dar todo o suor pelo nosso futuro. Nós agregamos valor a nossa produção também porque juntos somos e pensamos melhor”, contou Verônica.

“Estou buscando aprimorar os meus conhecimentos em gestão corporativa para facilitar o nosso caminhar, que nem sempre foi fácil. Meu pai é que começou com as próprias pernas e foi nos abrindo as portas. Eu e minha irmã estamos empenhados em contribuir com as nossas habilidades também”, disse Anderson.

“É uma herança grandiosa que os nossos pais estão nos dando. É a nossa única oportunidade de crescer cada vez mais e nos aproximarmos do turismo rural, que é atrativo para a cidade e para as pessoas, sem perder as nossas raízes”, Stefani reforçou.

Segundo João Miranda, o futuro dos agricultores no meio rural depende muito da permanência dos jovens no campo. “Eles precisam de incentivo para não migrarem para a zona urbana. Seria uma contradição o jovem não ser protagonista da sua própria história. É emocionante ver os filhos participando com tanto afinco das atividades da família, no meio rural”, disse.

Referências para o campo

Hoje a propriedade é modelo apresentado em diversos cursos realizados pelo Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), sobre manejo ecológico, englobando instituições como o Incaper e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

Durante todos esses anos, as diversificações foram muitas, mas ainda existe a possibilidade de outras atividades viáveis para a propriedade, no decorrer do tempo, que serão estudadas e planejadas. “O redesenho de todo o lar rural foi bem-sucedido e serviu de base para mostrar a diversificação agroecológica e que escolhas acertadas garantem a permanência da família no campo de forma sustentável”, reforçou João Miranda.

"A família Huver é um exemplo. Sua experiência é particularmente rica e cheia de ensinamentos a serem socializados já que seus proprietários receberam em 1984 o desafio de sobreviver com os rendimentos gerados por uma propriedade improdutiva de 20 ha de pastagem degradada, se mobilizaram, trabalharam e introduziram profundas modificações com acompanhamento técnico, impulsionados pelo agroturismo e baseados nos princípios da agroecologia, apostando na diversidade para promover maiores níveis de sustentabilidade, conseguindo permanecer no meio rural com qualidade de vida", finalizou Vera.

 

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