21/01/2020 10h34 - Atualizado em 21/01/2020 10h36

Montanha: o lugar onde antigas tradições e novas tecnologias se encontram

Foto: Juliana Esteves
"Tem gente que nem sabe da nossa existência, mas o Incaper sabe”, afirma Ingrith Atanázio, que posa ao lado da mãe.

É dia de feira. Na banca da Maria Suely dos Santos, iguarias agroindustrializadas que ela mesma produz no Assentamento São Sebastião, zona rural de Montanha, são expostas aos clientes com todo cuidado e asseio. Para atrair a clientela, ela entoa em voz alta cada um dos itens fresquinhos oferecidos no dia. “Pelo menos 40% da renda da minha família vem desta feira agroecológica aqui. Se juntar com a feira de sábado, dá 80% do sustento da minha família”, conta.

Os agricultores que vendem na feira contam com o trabalho integrado do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), desde o plantio até a comercialização. “O milho do Incaper rende mais e tem o sabor mais presente, é mais doce. A papa de milho verde e a pamonha ficam com gosto de infância”, diz a agricultora referindo-se à variedade de milho ‘Capixaba Incaper 203’, desenvolvida pelo Instituto.

Dona Manoelita Alves Peruchi também oferece uma diversidade grande de produtos: queijo, tomate, ovos, açafrão... este, aliás, é um dos orgulhos da agricultora. “Meu pai, seu Manoel, de 90 anos, me passou uma raizinha desse açafrão para cultivo e agora estou aí vendendo”, afirma.

Tanto as raízes de açafrão quanto os demais produtos comercializados na banca, são cultivados no sítio Três Irmãos, de propriedade da família. Dona Manoelita, que é ex-professora e o marido, o ex-caminhoneiro Geraldo Paulo Peruchi, deixaram suas antigas profissões para dedicarem-se integralmente à agricultura. “A gente não tinha onde escoar. Vendia ali mesmo, na vizinhança, não tinha muitos clientes”, lembra a agricultora enquanto recebe de uma cliente e entrega a compra de outra.

Na mesma feira está a banca do Quilombo Santa Luzia, considerada a mais diversificada de todas. Distante vários quilômetros do Centro de Montanha, a comunidade onde vivem 15 famílias destaca-se pela diversificação e pela agroecologia. “Os produtos têm sido cultivados com acompanhamento técnico do Incaper, que nos ensina a manejar a terra, cuidar dos produtos e combater as pragas que surgem de forma sustentável. Nós praticamos a agroecologia, não usamos defensivos. E o nosso objetivo é alcançar o certificado orgânico. Alimentos saudáveis na nossa mesa, assim como na de nossos clientes”, explica Ingrith Atanázio Emílio, agricultora que preside a associação de produtores do Quilombo Santa Luzia.

Até pouco tempo atrás, a feira livre era o principal - quiçá o único – canal de comercialização da produção. Mas nem só de feira vive o produtor. Por isso, o Incaper apresentou aos quilombolas uma nova modalidade de comercialização, conhecida no Brasil como Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA).

Trata-se de um modelo de produção que aproxima produtores e consumidores. Funciona mais ou menos assim: um grupo de consumidores se compromete a ‘financiar’ a produção, tornando-se co-agricultores. Em contrapartida, recebe regularmente os produtos agroecológicos e orgânicos cultivados na propriedade. “Um dá suporte ao outro. De um lado, o agricultor tem o incentivo para investir na lavoura e a garantia de que o mercado vai comprar a produção. Do outro lado, o consumidor tem a certeza de que está consumido alimentos de qualidade, sabendo quem produz e onde produz”, destaca o extensionista do Incaper em Montanha, Fábio Morais.

Atualmente, o CSA é a modalidade adotada por cinco agricultores do Quilombo Santa Luzia e cerca de 15 clientes. “Toda semana, os agricultores mandam uma lista com os 50 produtos disponíveis e o cliente escolhe 12 itens. O cliente tem a compreensão de que só vai receber alimentos da época. Os agricultores montam a cesta e vão entregar na casa do consumidor. Toda essa negociação é feita por mensagens via aplicativos de celular e a participação dos jovens é fundamental, já que os mais velhos não têm tanta intimidade assim com as redes sociais”, acrescenta Morais.

Mais do que reduzir a dependência de apenas um canal de comercialização, a modalidade ajudou a aproximar o longínquo quilombo do mercado de Montanha. E, de quebra, contribuiu na geração de renda para as famílias, na sustentabilidade da propriedade e na valorização dos agricultores, respeitando o jeito que eles têm de lidar com a terra.

“Residimos aqui há mais de 60 anos. Meus avós tiveram filhos, netos e bisnetos aqui nesta comunidade. O Incaper desenvolve trabalhos apostando na comunidade. Tem gente que nem sabe da nossa existência, mas o Incaper sabe”, afirma Ingrith Atanázio.

O Projeto HorizontES em Extensão

A experiência de produção agroecológica e comercialização dos agricultores de Montanha pode servir de inspiração para outros agricultores capixabas. Não foi à toa que recebeu a visita da comitiva do Projeto HorizontES em Extensão. Capitaneado pelo Incaper, o projeto levou representantes da Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), das Centrais de Abastecimento do Espírito Santo (Ceasa) e da Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes) para conhecerem a feira livre e o Quilombo.

De acordo com a gerente de Assistência Técnica e Extensão Rural do Incaper e coordenadora do Projeto HorizontES em Extensão, Jaqueline Sanz, Montanha foi a experiência escolhida para representar o trabalho da equipe do Incaper no Extremo Norte. “É muito gratificante para nós fazer parte desta história que concretiza tantos sonhos de vida”, comemora.

Lázaro Raslan, extensionista do Incaper e coordenador do Centro Regional de Desenvolvimento Rural (CRDR) Extremo Norte, ressalta que o Quilombo Santa Luzia é contemplado nas ações do Projeto Dom Helder Câmara, executado pelo Incaper. “É bonito ver o trabalho do extensionista, atuando para agregar valor à produção, gerando alimentos de qualidade tanto para a comunidade quanto para a comercialização.”

O diretor-presidente do Incaper, Antônio Carlos Machado fala da importância da iniciativa: “Esta é a prova viva de que o Espírito Santo produz em quantidade, mas também com qualidade. Quanto mais gente se alimentando por aqui, menos pessoas na porta dos hospitais. O que é plantado aqui é saúde preventiva.”

O Projeto HorizontES em Extensão visitou 11 experiências de relevância para o desenvolvimento rural capixaba. Foram percorridos cerca de três mil quilômetros para conhecer, valorizar e apresentar as experiências da agricultura familiar capixaba.

O Projeto HorizontES em Extensão é viabilizado com recursos oriundos de um convênio estabelecido entre o Incaper e o Ministério da Agricultura, Pecuária de Abastecimento (Mapa). A parceria prevê, entre outras metas, a realização de ações no Programa de Aperfeiçoamento em Práticas e Projetos de Desenvolvimento Rural dos Agentes do Incaper.

Texto: Juliana Esteves

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