As mulheres sempre estiveram por trás da produção de café de qualidade. Enquanto os maridos cuidavam da lavoura, as esposas estavam nos terreiros, trabalhando a pós-colheita, etapa fundamental para garantir uma bebida mais refinada. Mas em Muqui, um grupo de mulheres assumiu a dianteira na produção de cafés especiais e criou uma marca própria: o Pó de Mulheres.
A iniciativa partiu da Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Estado do Espírito Santo (Cafesul), e conta com atuação direta do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper). “O Incaper é a ferramenta para trocar informações e fazê-las alcançar um objetivo: produzir cafés com bebidas espetaculares”, disse o extensionista do Incaper em Muqui, Tássio da Silva de Souza, que acompanha o grupo desde o princípio.
Desde que foi criado, o Pó de Mulheres mudou a rotina de produção e a vida de muitas famílias de Muqui e municípios vizinhos. A cafeicultora Luciata Landi Benevenute Paggiani é uma das produtoras responsáveis pelo Pó de Mulheres e fala sobre a iniciativa.
“Eu colhia, secava, mexia o café no terreiro, adubava..., mas não sabia por que tinha que fazer aquilo. Hoje eu mudei a minha visão de lavoura. Se o Incaper fala: ‘café tem que ser nutrido’, eu já entendo. Sei da importância de fazer uma análise de solo. Eu sento com meu esposo e a gente vê juntos. Não é só ajudar o marido e pronto”, afirmou.
A experiência das mulheres cafeicultoras de Muqui recebeu a visita de uma comitiva da agricultura capixaba, por meio do projeto HorizontES em Extensão. Capitaneado pelo Incaper, o projeto levou representantes da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), das Centrais de Abastecimento do Espírito Santo (Ceasa) e da Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes) para conhecerem o Pó de Mulheres.
Dona Ivone Machado Carrari, filha de cafeicultor, foi a anfitriã da comitiva. Casada há 34 anos com ‘Seu’ Eugênio, ela deixou as cores do artesanato para se dedicar aos sabores e aromas da cafeicultura familiar. “Eu sempre ajudei. Mas abandonei o artesanato, porque o café é muito melhor”, orgulha-se.
Segundo as mulheres, os maridos não apresentaram resistência. Pelo contrário, hoje apoiam a iniciativa das esposas em produzir café de qualidade. “Eu entrei na qualidade por causa do meu esposo. A gente trabalha dobrado, vai três, quatro vezes no mesmo talhão, mas é prazeroso e recompensador”, contou a cafeicultura Daiana Pinto Souza Carrari.
Como o Pó de Mulheres começou
Foi num evento para aumentar a participação das mulheres na Cafesul que o grupo do Pó de Mulheres se reuniu pela primeira vez. “Percebemos que só os homens participavam das reuniões da cooperativa. Era raro ver uma mulher. Em 2012 nós fizemos um dia de beleza, durante uma assembleia geral da Cafesul e, na pauta, tratamos a diversificação de renda para as mulheres da zona rural. Com a ajuda de parceiros, promovemos cursos de culinária do café, tortas e artesanato. Em 2016, num curso sobre formação de preço e design de artesanato, surgiu o nome Pó de Mulheres”, lembrou Natércia Bueno Vencioneck Rodrigues, uma das coordenadoras do grupo.
“Nós percebemos que tínhamos que estar mais unidas. Surgiu a oportunidade e a gente se sentiu mais forte. Nos sentimos família com um trabalho diferenciado e vimos que dava para formar um grupo com o mesmo objetivo”, destacou a cafeicultura Maria José Lopes Rodrigues da Silva, carinhosamente chamada de Dona Zezé, uma das fundadoras do Pó de Mulheres.
A afirmação de Dona Zezé é reforçada por Eliane Rodrigues Lívio de Almeida, outra cafeicultora do grupo: “Juntas somos fortes e vamos além. Estamos buscando capacitação para fazer cada vez mais e melhor”.
Já são alguns anos de muito trabalho em busca da qualidade, e agora as mulheres de Muqui querem servir de exemplo para outras mulheres do Espírito Santo. “Muitas mulheres ficam escondidas, no cantinho, o trabalho delas quase não aparece. Só que a gente diz: vai e faz! A gente quer mostrar que a gente pode e que tem poder”, acrescentou a cafeicultora Daiana.
O poder, inclusive, inspirou o nome da marca: Pó de Mulheres traz no nome uma cacofonia que sugere empoderamento, além de denominar um dos produtos mais cultivados no Espírito Santo e um dos mais consumidos no Brasil e no mundo.
Para o extensionista do Incaper, Tássio da Silva de Souza, é emocionante ver aonde este grupo está chegando. “Quem sabe alguém lá de outro município vê a experiência de vocês e tente fazer também?”, questionou. “O Incaper foi, e ainda é, bastante demandado. Precisamos do Incaper para falar de qualidade, e o Tássio sempre nos dá esse suporte”, ressaltou Natércia.
Pó de Mulheres na xícara
Na embalagem, o Pó de Mulheres traz café 100% conilon, 100% capixaba, 100% feito por mulheres. Até aí, um café como muitos. O diferencial está na delicadeza que elas depositam nos tratos culturais, na colheita e na pós-colheita. Das mãos delicadas das mulheres sai um dos produtos mais nobres da cafeicultura de Muqui.
“O Incaper está intrínseco nesta bebida: 90% das variedades usadas são frutos de pesquisa do Incaper. Não entra um grama de adubo na lavoura sem passar pelo programa de adubação recomendado pelo Instituto. Nós somos a voz de uma equipe enorme, que traz ferramentas para que essas mulheres possam produzir café de qualidade”, defendeu Souza.
Além do aroma e sabor, outro aspecto que chama a atenção é uma das embalagens do Pó de Mulheres. O produto é apresentado torrado e moído numa espécie de sachê, um mini filtro de café pronto para coar e servir a dose individual.
Tássio lembra que o melhor conilon do Brasil, eleito no último concurso nacional de qualidade, é de Muqui, da Cafesul. “O campeão nacional é fruto do trabalho do Incaper. Todo mundo sente prazer, tem paixão pelo que faz. Isso que vai na embalagem do Pó de Mulheres tem o trabalho de muita gente envolvida. A gente traz informação que faz a diferença, que melhora a vida de todas elas”, garantiu.
O melhor café do Brasil é do produtor Luiz Cláudio Souza, um dos diretores da Cafesul. Ao falar sobre o Pó de Mulheres, Luiz Claudio deixa escapar um dos segredos para garantir qualidade: “Estou em plena colheita e estou atrasado. Deixo meu café madurar bem, porque o nosso foco é a qualidade. Temos a certificação e o Pó de Mulheres está de parabéns, porque faz muita diferença. Muitas propriedades daqui de Muqui dependem exclusivamente do conilon”, elogiou o produtor.
O projeto HorizontES em Extensão
O Pó de Mulheres, em Muqui, foi a primeira experiência visitada pela comitiva do projeto HorizontES em Extensão, que pretende mostrar 11 experiências de relevância para o desenvolvimento rural capixaba.
O Centro Regional de Desenvolvimento Rural (CRDR) Central Sul, que coordena nove Escritórios Locais de Desenvolvimento Rural (ELDR) do Incaper, recebeu uma sugestão de cada município. “Foi difícil eleger uma única experiência para participar do HorizontES em Extensão. Mas entendemos que o Pó de Mulheres represente bem o trabalho de integração entre pesquisa, assistência técnica e desenvolvimento rural que o Incaper realiza”, disse Ronaldo Alemães Stephanato, coordenador do CRDR Central Sul.
À sombra de uma jaqueira, na propriedade do ‘Seu’ Eugênio e da dona Ivone Carrari, os integrantes da comitiva do HorizontES em Extensão se reuniram para uma conversa inicial a respeito do Pó de Mulheres. “É debaixo de uma árvore que a extensão acontece. É aqui que começa a transformação na vida das pessoas. O objetivo do projeto é ser instrumento de troca de experiências e conhecimento em processos de integração entre pesquisa, assistência técnica e extensão rural, como forma de fortalecimento de iniciativas com relevância para o desenvolvimento rural”, asseverou a coordenadora do projeto HorizontES em Extensão, Jaqueline Sanz.
Durante a visita, os integrantes da comitiva apresentaram suas ações passíveis de beneficiar o grupo Pó de Mulheres. O gerente de agricultura familiar da Seag, Andreliano Maretto, abordou o Fundo Social de Apoio à Agricultura Familiar (Funsaf). O coordenador de rastreabilidade da Ceasa, Marcos Magalhães, colocou seus préstimos à disposição do grupo. E os membros da Aderes, Rodrigo Bolelli e Juca Alves, dispuseram-se a apresentar outras iniciativas que podem se converter em renda para o agricultor.
“A atuação do Incaper está além da integração entre pesquisa, assistência técnica e extensão rural. O projeto HorizontES em Extensão está integrando várias instituições dentro de um contexto maior: beneficiar a sociedade capixaba como um todo. Quando você abre os horizontes, abre as porteiras e expande seu olhar”, pontuou o diretor-técnico do Incaper, Nilson Araújo Barbosa.
Texto: Juliana Esteves
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